Amor Liquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos
O texto acima de Baumann fala sobre a volatilidade das relações afetivas humanas. Pra começar, eu gostaria de dizer que eu tenho o costume de questionar o motivo de determinadas coisas caírem para mim, principalmente, quando ocorrem sorteios. E não foi diferente com este texto.
Eu já havia lido exatamente esse primeiro capítulo no início de 2014 dentro de um grupo de estudos do qual participo. E a repercussão não foi tão forte quanto agora, considerando minha maturidade. Na época, era muito mais imatura que hoje e que bom que eu mudei.
Aliás, é bom que todos mudem e que as pessoas com as quais nos relacionamos aceitem tal fato de bom grado. Mas, como não podemos controlar os sentimentos alheios, nos cabe refletir sobre isso. Falo tudo isso porque vou falar um pouco sobre o texto de Baumann a partir de minhas interpretações. E adianto minhas desculpas desde já, caso eu carregue alguma palavra de emoção, porque, realmente, compartilho das ideias do autor.
Me surpreendi da primeira vez que li o texto, e me surpreendi ainda mais quando li pela segunda vez. A questão é que ele vai muito além de simplesmente questionar as atuais relações cotidianas, as quais acompanham o imediatismo tecnológico e psicológico, já que a impulsão promovida pela necessidade de suprir carências emocionais sempre fala mais alto. O autor desmitifica o amor romântico e aborda esse sentimento de uma forma mais realista. O que me leva a pensar exatamente como ele: existe uma dualidade entre o amor e o egocentrismo. As pessoas dizem amar, mas suas atitudes são impulsionadas pelo calor de suas carências. Ou seja, desejam o objeto de amor porque ele é portador daquilo que falta no indivíduo que diz amar. Existe uma ambivalência, porque amar é sinônimo de alteridade, que é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro, o que contraria a dependência tão comum nas relações.
Existe uma tendência de se projetar no outro expectativas pessoais. E, dessa forma, as pessoas se comprometem desde que, de forma inconsciente possam se tornar únicas com o outro, ou seja, “se eu gosto de rock, você também vai gostar” e por aí segue a lista de condições que só tornam o outro cada vez mais igual a nós, ignorando a singularidade importante e sustentadora de uma relação que, aliás, não deve nunca ter a pretensão de durar para sempre. A finitude é um medo que o ser humano carrega, justamente por essa atitude equivocada de projetar-se no outro, deixando de lado suas bases subjetivas essenciais. “O outro precisa ser meu e se anular para que eu possa ser feliz”. É um amor um tanto egóico. Não?
“Se não for como eu quero, é porque tem algo errado”. As pessoas se esquecem que somos diferentes e se decepcionam com isso. É a contraditoriedade do amor com o egocentrismo. São opostos que se misturam nessa ação de amar tão conhecida pelo ser humano.
Existe uma tendência à reprodução dos comportamentos de consumo nas relações. A maioria está tão acostumada com a velocidade das informações e com que os produtos chegam às mãos, que acabam, de forma inconsciente, encaixando as relações nessa mesma realidade, como se estas fossem produtos a serem descartados quando não atingem o nosso objetivo.
E isso é o contrário do amor. A imprevisibilidade ou incerteza causa insegurança e isso abala as estruturas de qualquer indivíduo controlador. Amor e posse se confundem nesse jogo e, com isso, a relação se torna um jogo de forças em que um manipula o outro para que permaneçam juntos, culminando no fim.
O que o autor nos traz é a relação dicotômica das pessoas que vivem esta condição de descartabilidade, ou seja, amam e desamam, porque na verdade fogem do amor. Ele aborda a “incapacidade de amar”. Existe uma fuga do amor pelo medo do fim. Não é ego que suporte a rejeição.
Dessa forma, há que se encarar o fenômeno do amor como uma “hipoteca baseada em um futuro incerto”, pensando na relação de forma mais racional e realista e, a partir do diálogo, desde o início, assinar um contrato de tudo o que um pode suportar e abrir mão, da mesma forma como o outro. E assim, cabe à maturidade de cada um o papel de respeitar os limites, sabendo dizer não toda vez que sentir essa necessidade. Uma relação baseada em respeito mútuo e diálogo tende a ser mais duradoura, mas mesmo assim, não tem o “felizes para sempre” como lema principal. Por isso a importância de também se respeitar a individualidade. Quando um subjuga o outro e o outro acata com essa situação, há uma predominância de poder injusta, que acaba privando a felicidade de um em detrimento do outro.
Há uma questão interessante que o autor aborda: a incerteza constante de um relacionamento. Eliminar a solidão não é o mesmo que eliminar o sentimento de estar só. Você pode sofrer estando com alguém. Eliminar expectativas é tão importante quanto evitar cobranças. As duas condições equilibram a sensação interna de leveza.
O amor é aceitar o outro apesar de suas diferenças e mesmo que o foco de sua escolha não seja você.
O outro não deve ser muleta para suprir nossas carências e sim, o alicerce central capaz de impulsionar a evolução conjunta, respeitando sempre a individualidade dos dois, dentro e fora da relação. Ser duplo significa consentir em indeterminar o futuro.
O autor ainda fala que o viver juntos deve ser por causa de e não a fim de. Não ter a pretensão de tornar o outro mais um laço de parentesco para nós deve ser uma condição importante. Pensar em como a relação vai ser, é algo mais leve do que transformar a relação em uma obrigação matrimonial. Da mesma forma, deve se manter o pensamento crítico de não almejar uma relação duradoura, mas aquela que deve durar o tempo necessário. O viver junto pode ser mais leve quando há divisão de tarefas de forma equilibrada. O autor fala “pode significar navegar juntos e compartilhar as alegrias e agruras da viagem”.
Para finalizar, fecho com duas frases que julgo pertinentes. Uma do texto em questão e outra de uma psicanalista seguidora de Freud, Lou Salomé:
A primeira:
“Ninguém pode prever o que será a partir do que é – mas ninguém pode suportar com leveza essa impossibilidade. No mar da incerteza, procura-se a salvação nas ilhotas da segurança. Será que aquilo que ostenta um passado mais longo tem maiores probabilidades de ingressar no futuro intacto e incólume do que algo admitidamente feito e desfeito pelo homem ostensivamente de ontem ou de hoje?”” (Baumann)
“…A fusão inteira do nosso ser com o outro, por mais querido que seja, não seria desejável. É preciso que sejamos cada vez mais nós mesmos, para poder ser um mundo para o outro. (…) só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal. (…) É preciso que a gente seja sempre, um para o outro, duas deliciosas surpresas fecundas.” (Lou Salomé)
*Discurso apresentado em sala de aula em 1º de setembro de 2015 – autoria: Michelly Ribeiro. (curso de Psicologia – UNIP — 5º semestre).